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A idéia de formação do Big Brasa

João Ribeiro da Silva Neto - Livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999).

O “Quartel General”, em Messejana. A idéia de formar um conjunto surgiu em conversa com os colegas de Messejana. A partir daí, com o total apoio de meus pais, foi como uma bola de neve. A vontade e o entusiasmo pela música cresceram rapidamente. A cada dia novas pesquisas, conversas com os amigos e a vontade de formação de um grupo musical ia aumentando progressivamente. Era só o que falávamos na época. O sonho tinha começado para mim.  O embrião do conjunto musical Big Brasa foi em nossa casa, na Rua José Hipólito, 698, emMessejana. Durante toda a existência do grupo e de minha vida musical a sede sempre foi a mesma. O local onde foi realizado o primeiro ensaio do grupo foi por algum tempo meu quarto, que dividia com o Carló. Tinha as paredes todas pintadas, com desenhos coloridos, feitos com tinta a óleo.

 

Nele desenhávamos de tudo. Guitarras, pistas de corrida e até mesmo o famoso personagem “Amigo da Onça”, este feito pelo Carló. Até um dia desses, em uma das reformas que fiz em nossa casa, vimos as marcas das pinturas que ainda estão lá, agora encobertas por um tipo de revestimento. Aquele ambiente era nosso mundo. O violão sempre ficava disponível, em cima de uma cama ou cadeira, para facilitar o seu rápido acesso. Tudo o que era de equipamento nós montávamos empilhados, de modo a formar uma “parede de som”. Sem intenção, nós projetávamos o que iria acontecer em um futuro breve.

A presença marcante do “Mestre Alberto”

João Ribeiro da Silva Neto - Livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999).

Alberto Ribeiro da Silva, o pai de João Ribeiro, guitarritsta-solo do Conjunto Big Brasa. O Mestre Alberto, como alguns o chamavam, teve presença marcante no Big Brasa. Apreciador fanático da boa música, independente do estilo, mesmo sem conhecimentos teóricos sobre o assunto sempre demonstrou ter bom ouvido, pois como ele próprio diz, sabia quando “alguma coisa estava errada”. Acompanhou o Big Brasa por uns três anos. Nas festas ele ficava circulando, ouvindo o som do conjunto dos diferentes pontos do clube para nos informar se estava bom ou não. Volta e meia trazia elogios recebidos ou reclamações (quase sempre de diretores ou dos coroas) sobre o alto volume de som do grupo. Cuidava dos contratos e de receber e distribuir os cachês para o grupo, na base de 10 por cento do líquido para cada participante. Exerceu fundamental papel, também, como orientador do conjunto, uma espécie de guru. Apesar de ser um ardoroso apreciador da música, ele sempre nos alertava para o fato de que o conjunto poderia “não dar camisa a ninguém”, querendo dizer que deveríamos estudar e ter outra profissão, tendo em vista as dificuldades que os músicos encontram, via de regra, para sobreviver apenas da música, de modo especial numa região pobre como a Nordeste. Deixando saudades em todos aqueles que o conheceram o Mestre Alberto nos deixou fisicamente em 5 de abril de 2001. Sua presença sempre estará entre nós. 

Os ensaios do Big Brasa – sempre no “Quartel General”

João Ribeiro da Silva Neto - Livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999).

Durante os ensaios, quando esses se realizavam na garagem de nossa casa, em Messejana, o pessoal que passava na rua sempre parava para ficar ouvindo e curtindo nossas músicas.  Hoje, passados 50 anos, de vez em quando algumas pessoas ainda associam e fazem referências ao endereço, dizendo:

- É ali, perto do Big Brasa? 

Muitas vezes passávamos dias inteiros plenamente envolvidos com a música. Consequentemente toda a alimentação do pessoal ficava por conta de meus pais. Naquele tempo eu não percebia nada disso. Não porque não me importasse, mas com certeza pela falta de experiência, natural da juventude. Nunca tinha pelo menos imaginado o custo de um dia de ensaio para todo mundo, em se tratando de alimentação e trabalho por parte de todos aqueles que se envolviam, particularmente de minha mãe, que se preocupava para não faltar nada para o grupo. Somente alguns anos depois é que descobri que tudo aquilo devia pesar no orçamento de meus pais, além de ser trabalhoso, pois envolvia a participação direta e indireta de todos de casa, no desejo de atender bem e de que o conjunto se firmasse. Um detalhe importante, merecedor de registro, é o fato de que os meus pais preferiam que a turma toda se reunisse em nossa casa, nos cafés das manhãs, depois das viagens, objetivando manter a unidade do grupo. Muitas e muitas vezes chegamos de viagem e a mesa estava pronta, com café, pão, bolos, suco de frutas e tudo mais que a mamãe (Dona Zisile, como a chamavam) conseguisse preparar. Tal fato pode hoje ser analisado por dois aspectos: o da segurança, se é que eles queriam observar como o pessoal tinha retornado; e também o de proporcionar uma reposição de energia necessária a jovens de nossa idade, em vista do sacrifício de uma noite inteira sem dormir e com alimentação muitas vezes precária.

Vestuário – um grupo elegante

João Ribeiro da Silva Neto - Livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999).

No princípio, por orientação do meu pai, bem acolhida por todos, o Big Brasa usava fardamentos, isto é, mantinha grupos de roupas que às vezes substituía durante as próprias festas. Houve uma noite, em Umirim, que o Conjunto mudou de roupa quatro vezes, impressionando a todos os presentes. Isso contribuiu para formar uma falsa idéia, também em Fortaleza, de que o conjunto era composto por pessoas ricas. O Big Brasa procurava acompanhar a moda jovem. Se era camisa de gola-rolê, tudo bem, malha, calça estreita, cabelos longos, tudo. As calças “Lee” e os tênis também faziam parte efetivamente de nosso guarda-roupa. Fazíamos questão, além de ensaiar bastante para fazer o melhor, procurávamos também manter boa aparência, pois isso para nós era fundamental.

O Mestre Alberto não gostava de barba malfeita ou por fazer, ou então cabelo grande. Segundo ele, dava um aspecto de sujeira e não era legal. No começo do conjunto, quando ainda nos acompanhava, pediu para o Lucius tirar sua barba, que estava grande. O Lucius, com muito respeito, educação e diplomacia, qualidades que sempre possuiu, disse-lhe que iria satisfazer a sua vontade, mas que aquilo não tinha nada a ver. Hoje em dia o Mestre Alberto reconhece que estava errado e aquilo “não tinha nada a ver” realmente. Houve o tempo, pelos anos 69, 70 e 71, das calças boca-de-sino. Era moda total e quem não as usasse não estava com nada. Nas calças “Lee”, que foram os primeiros jeans a surgir, nós tínhamos que arranjar umas tiras e mandar emendar na parte de baixo para alargá-las e assim poder ficar “na crista da onda”.  Na coluna do jornal O Estado, intitulada “Alta Roda”, o seguinte comentário sobre o Conjunto: “O Big Brasa, aqui da terra, talvez seja o único conjunto que não aderiu à moda cabeluda. Seus componentes se apresentam elegantemente com cabelos cortados à la homens sérios!”. Nos bailes de 15 Anos e nos de Formatura, bem como em outras funções mais especiais, usávamos terno e gravata ou blazers. O Big Brasa sempre se portou adequadamente no que se refere ao visual.

O Conservatório de Música “Alberto Nepomuceno”

João Ribeiro da Silva Neto - Livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999).

Época de vestibular. No primeiro exame prestado eu me inscrevi para Medicina e apenas por três questões, não obtive aprovação. Deus sabe o que faz. Ainda bem, porque não teria sido um bom médico, por falta de vocação. No outro semestre, eu e minha mulher Aliete resolvemos prestar exame, desta vez para Licenciatura em Música. O Conservatório de Música Alberto Nepomuceno tinha sido encampado pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e iria iniciar sua primeira turma. Conseguimos êxito, o que para mim foi mais um tento, uma vitória. Estava totalmente envolvido com o meio musical e “respirava” música o tempo todo. Para ter uma ideia, nesse período eu era guitarrista do Big Brasa, trabalhava na TV Educativa como sonoplasta e na TV Ceará como produtor musical do programa “Show do Mercantil”. Além disso, fazia apresentações ou realizava outras funções como música ambiente para recepções e casamentos, como tecladista.  Durante os quatro anos de Conservatório, aprendi muita teoria e técnicas musicais com os experientes professores, de modo especial com as professoras D’Alva Stela, Repegá Fernanian, Nísia, Afonsina e o professor de violão clássico José Mário, dentre outros. Se bem que eu esperava mais, principalmente na parte prática e técnica de instrumentos. Para se ter uma idéia, houve diversas cadeiras em que os professores me dispensaram porque não tinha sentido, diziam eles, visto que eu conhecia a matéria. Pressionava muito esses professores, dizendo que eu estava ali para aprender mais e não para ser dispensado de aulas.

Dentre as cadeiras, fora as do ano básico, constavam História das Artes, Canto Coral, Técnica Vocal, Regência, Som e Ritmo, Prática de Instrumentos (cinco semestres) e Harmonia. Depois de bem ambientado no Conservatório, vale dizer, sobre uma das etapas do curso, que iniciei a cadeira de Harmonia plenamente confiado nos conhecimentos práticos que o Big Brasa tinha me proporcionado e na experiência do dia-a-dia. Quase que entro pelo cano. Tive dificuldades com a matéria, principalmente ao fazer encadeamentos harmônicos e pequenos arranjos para orquestra. Se não tivesse estudado para valer teria sido reprovado naquele semestre. Ao final, como “NTI”, apresentei uma composição intitulada “Entre pelo Cânon” (da qual ainda mantenho a partitura original), tendo conseguido nota dez. Foi uma faculdade muito interessante e no decorrer dos quatro anos de estudo fizemos muitos amigos. Chegamos a participar ativamente do Coral e fizemos algumas apresentações. Tenho ainda as partituras das músicas que cantávamos. Com a formatura, o Conservatório, através da UECE, nos proporcionou o Nível Superior, que futuramente veio a ser essencial para minha carreira em outra área de atividade.

Os Festivais Nordestinos da Música Popular

João Ribeiro da Silva Neto - Livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999).

Vale dizer que os Festivais de Música foram os primeiros eventos a serem transmitidos ao vivo para o norte e nordeste, visto que não existiam ainda as redes de televisão interligadas, como hoje em dia. Pouco antes da final de um dos Festivais Nordestinos da Música Popular que o Big Brasa participou em Recife, defendendo músicas do Ednardo, adquirimos por intermédio do tio João Ribeiro, em São Paulo, dois “wah-wah” de marca nova. A idéia era usar um para a guitarra-solo e outro para o órgão. A aquisição desses equipamentos foi um verdadeiro show de competência. Tudo muito rápido, o pedido ao tio João, a aquisição, a remessa e enfim a chegada dos pedais em tempo recorde. Fomos receber a encomenda no departamento de bagagens da VARIG, quase às 11 horas da noite. Deu tudo certo, os pedais foram incorporados ao nosso instrumental e utilizados de acordo com o planejamento. Sobre esse evento, realizado em dezembro de 1971, trecho de uma nota publicada por um jornal cearense:  

- “Está seguindo na próxima sexta-feira para a capital pernambucana a equipe de compositores e intérpretes que apresentarão as composições selecionadas em Fortaleza para concorrer ao II Festival da Música Nordestina. Entre a turma de músicos cearenses destaca-se a participação do Conjunto Big Brasa, que defenderá as músicas Beira-Mar e Rua do Ouro, classificadas em primeiro e quarto lugares respectivamente”.

 

A respeito desse Festival, que foi televisionado para todo o Norte e Nordeste (na época uma transmissão por demais comentada), lembro de alguns acontecimentos interessantes. Um deles ocorreu durante o ensaio geral, no Ginásio Coberto localizado no bairro Embiribeira (idêntico ao Paulo Sarasate, porém mais bem acabado, com alojamentos e restaurante, e com uma área externa maior). Pois bem, o Big Brasa ao ensaiar com a orquestra de Recife, acompanhando Beira-Mar, do Ednardo, o maestro ficou entusiasmado com a música e o arranjo. Também entre os músicos da orquestra a opinião unânime foi a de que aquela música tiraria o primeiro lugar. Mas, como para ganhar em Recife não tinha jeito mesmo, ficamos apenas com um terceiro lugar e uma menção honrosa. Valeu, entretanto, a reportagem de três páginas na extinta Revista “O Cruzeiro”, sobre o Festival, transcrevendo com destaque e na íntegra a letra de Beira-Mar e publicando a foto do Ednardo, acompanhado pelo Big Brasa e pela orquestra de Recife.  Um segundo lance desse festival: durante o intervalo da TV, quando nos preparávamos para entrar “no ar” com o Ednardo, o público do Ginásio, que estava completamente lotado, começou a vaiá-lo intensamente. E tome vaia, mesmo porque eles vaiavam tudo que fosse do Ceará. Um cara da platéia tocava uma buzina duas vezes e depois vinha a vaia.  Estávamos todos muito nervosos, evidentemente. Mas por felicidade e presença de espírito, talvez, peguei o tom daquela buzina na guitarra e, com o “wah-wah”, após o cara tocá-la, reproduzi o som no palco com a guitarra a plena altura. O pessoal gostou, o negócio virou brincadeira, alguns aplaudiram até e a vaia cessou de repente. Foi ótimo para todos nós. Por último faço questão de registrar aqui a verdadeira e inadmissível “melada” do maestro da orquestra pernambucana, que na hora de começar a apresentação do Ednardo, veio me perguntar o andamento da música para fazer a introdução. Eu expliquei para ele e cantei as primeiras notas da melodia, no andamento correto. Qual foi nossa surpresa quando esse maestro iniciou Beira-Mar com um andamento completamente acelerado. Nosso baterista estava com a orquestra. Foi uma luta nos segundos iniciais para tentar fazer o andamento retroceder ao original, uma verdadeira briga entre a orquestra e o Conjunto. De propósito ou não isso certamente contribuiu para atrapalhar o Ednardo, que ficou mais branco do que pó de giz durante toda a música. Esse “pequeno deslize” do maestro pernambucano, de propósito ou não, prejudicou de forma significativa nossa “performance” naquela noite. Nas folgas, depois dos compromissos com ensaios, saíamos em grupo para conhecer os pontos principais de Recife. Quase tudo financiado pela TV Ceará, ou Diários e Emissoras Associados do Ceará, da Rede Tupi. Conhecemos duas adegas muito bonitas e aconchegantes, que apresentavam shows noturnos. A Adega do Bocage e da Mouraria. Estivemos também na praia da Boa Viagem e em algumas boates da cidade.

@2016 - Página Oficial do Conjunto Musical Big Brasa, de Fortaleza, Ceará 

Como tudo começou

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